Tuesday, May 20, 2008

Medo



Nunca tive medo do escuro.
Em criança, quando acordava a meio da noite, desafiava-me a mim própria a vaguear pela casa, a descobrir as formas das sombras mais assustadoras, a encontrar os barulhos estranhos. Gelava os pés, descalços, no pavimento da cozinha enquanto fitava o quintal escuro, ouvia o barulho das árvores, dos cães e outros bichos que vagueavam por lá. Sentava-me na sala, com as suas janelas gigantes, no sofá grande com os joelhos encostados ao peito, à espera da próxima claridade instantânea, do raio seguido do trovão, contando os segundos que entre os dois tentando calcular a distância da tempestade.
Agora estou no mesmo sítio, não há trovões mas a chuva cai forte, existe outro tipo de escuro, aquele que uma luz acesa não faz desaparecer, aquele que de que tenho medo, aquele onde as pessoas se perdem.

F.E.A.R. • James Lavelle

4 comments:

Nuno Guronsan said...

Em criança também não tinha medo do escuro. Aliás, para adormecer gostava mesmo de mergulhar na escuridão do vale dos lençois, onde sabia que se escondiam todos os meus sonhos preferidos. Para mais, corria uma lenda familiar natalícia, que durante a noite eu iria, pé ante pé, até à mesa posta, deliciar-me com resmas de confeitos.

Agora o escuro onde as pessoas se perdem, parece-me muito mais brutalmente real que o escuro da nossa infância. Até porque, depois de perdermos essas pessoas que nos dizem tanto, o difícil mesmo é mantê-las acesas nos nossos dias, junto de nós. Ao ponto a que chegámos, enquanto espécie...

Beijos, com abraço apertado à mistura.

Ms D. said...

Nuno,

Lembro-me perfeitamente dos teus confeitos e se não estou em erro de ter mencionado o facto de odiar anis de forma timidamente anónima...

Estou com dificuldade em manter acesa a luz para as pessoas que ainda andam por aqui, tenho medo que elas se percam...

Obrigado pelo abraço.

**

Anonymous said...

Por vezes há tempestade sem trovoes, outras ainda, trovoes sem tempestade...
Só encontras aqueles que partem, e há quem sempre te fique á espera em porto; nao tenhas medo desse escuro. Falta é que o conheças, tal como te fizeste em criança...
1xi em amasso
TNZ

Ms D. said...

TNZ,

Não estava de todo à espera de uma visita tua, tão cedo... foi uma surpresa fantástica.
É um grande elogio saber que no meio das vossas andanças ainda tenhas tempo para passar por cá!

Tenho mais medo pelos outros do que por mim, a última tempestade levou-me muitas das minhas forças.

Beijo gigante, até esse lado do mundo!