Daydream
O relógio avança devagar, cada vez que olho para ele parece que não se moveu um segundo, de vez enquando vagueio pelo jardim, o meu corpo fica exactamente onde está mas sinto o frio, lá fora, o cheiro das laranjas verdes e as ervas daninhas que se apoderaram da relva este inverno, está tudo tão lento que quase ouço os bichos que se passeiam entre os resíduos deste sol fraco.
Quando volto a mim já quase não há luz no jardim, as mãos estão geladas da inércia e os meus olhos demoram alguns segundos a habituarem-se à luz artificial que agora inunda tudo até alguns bichos mais atrasados e sem pressa de chegar a casa.
Acho que nunca tinha sentido isto antes, não desta forma, a desilusão que se desvaneceu deixando espaço para nada, só um vazio daqueles que fazem parte de nós, a que não damos importância porque sempre lá esteve, preenchido por nadas diferentes reciclados, um espaço de reciclagem de nadas.
Os ponteiros estão afastados, um marcando o dobro do outro, sei que chegou a hora e como tinha previsto todas a minhas preocupações pessoais desaparecem e tudo se concentra fora de mim, um calor altruísta, a que não habituamos, uma vontade de querer tudo, sem querer... nada.